segunda-feira, 12 de março de 2007

Escutismo para Rapazes.



Título: Escutismo para Rapazes
Autor: Robert Baden-Powell


Crítica literária publicada no Jornal The Guardian,
a 13 de Março de 2004

‘Escutismo para Rapazes’ foi um dos livros mágicos do século XX.

Os seus encantos não eram literários – foi reunido num clima de improvisação excitada, para ser editado à pressa em fascículos quinzenais no início de 1908. O ser pouco literário, o ser prosa de revista juvenil, formou muito do seu apelo a uma audiência jovem que valorizava a animação, a variedade e a recusa do aborrecimento. O seu autor, Robert Baden-Powell, era um tenente-general do Exército Britânico e um nome familiar desde o seu comando de Mafeking durante o cerco de 7 meses entre 1899-1900, na Guerra dos Boers.

Um homem ambicioso e um psicólogo arguto, BP parece ter ido buscar à juventude imortal da sua própria personalidade a base da sua mais ambiciosa ideia: um movimento para inspirar a cidadania nos jovens através da autodisciplina e actividades práticas. O seu sucesso foi instantâneo. Antes mesmo que os fascículos fossem condensados sob a forma de livro, havia rapazes a formar Patrulhas, a improvisar uniformes, e a importunar adultos para que fossem seus Chefes. O Escutismo espalhou-se tão rapidamente que BP teve de se esforçar para manter o controlo do que criara. Quando morreu, em 1941, havia milhões de Escuteiros por todo o mundo, e o seu manualzito tinha vendido mais que qualquer outro livro inglês na sua época.

Os Escuteiros chamam aos não-iniciados “pata-tenras”. Como um pata-tenra incorrigível que sou, completamente incapaz de fazer pão no meu casaco ou dar o nó de barqueiro no escuro, eu li as instruções, exercícios, jogos e “Palestras de Bivaque” de BP com um sentido de revelação. Claramente, o seu génio residia no despertar para a cidadania como para um reino de fantasia gratificante. É como se, ao lado das monótonas vidas das crianças, BP desenhasse o mapa de uma vida paralela, ligados em vários pontos, mas flutuando livremente em longas passagens de faz-de-conta e aventura

A chave é não proibição, mas um tipo de licença avuncular. BP cultiva um sentido de responsabilidade social num vácuo maravilhoso de restrições sociais. Há uma página, mais coisa menos coisa sobre religião, do tipo menos prosélito, valorizando as boas obras e o valor igual das outras fés. Havia ansiedades acerca da vulnerabilidade do império por trás do livro, mas por todos os seus códigos e saudações, é refrescantemente não-militarista. Surpreendentemente, num livro sobre dever ao próximo, apenas num ponto são os Pais referidos. As nove ‘Leis do Escuteiro’, mais tarde aumentadas para um decálogo com a adição de ‘o Escuteiro é puro nos pensamentos, nas palavras e nas acções’ – substituem as proibições Judaicas com exortações alegres (‘O Escuteiro sorri e assobia em todas as circunstâncias’). É uma confusa mistura de falta de senso e de bom senso.

Quando BP proíbe, a sabedoria é a convencional: beber é para os covardes, fumar embrutece os sentidos, a masturbação, embora “uma sensação de prazer”, leva inevitavelmente à insanidade (e ainda “se usais mal as tuas partes quando jovem, não sereis capaz de as usar quando adultos: elas não vão funcionar nessa altura). O praguejar é castigado com um copo de água fria pela manga abaixo. As gorjetas são criticadas (“as gorjetas colocam-vos no pé errado com toda a gente”). Mas igualmente importante – faz parte da Lei do Escuteiro – ‘O Escuteiro não pode ser um snob’. Por detrás destas injunções, embora aparecendo apenas no final do livro, está subjacente o medo que o Império Britânico esteja a ir pelo caminho do Romano, embora pelas razões não-romanas de ‘caridade indiscriminada’, ‘excesso de instrução livresca’ e ‘vadiíce, que é a ruína de uma proporção enorme dos nossos jovens’ (‘em Londres, um homem pode preguiçar por meses ou anos, á porta de um pub’).

A mania de ver jogos de futebol dispara um ataque paranóico. BP não fica em segundo lugar, diz ele, no ‘gosto em ver aqueles espécimes esplêndidos, treinados até à perfeição, e a jogar impecavelmente’, mas entristece-se com ‘os nossos homens, sólidos, confiáveis no pior dos apertos’ degeneraram nas multidões de ‘espectadores pálidos, encolhidos’, fumando ‘cigarros ininterruptos’ enquanto ‘aprendem a ser histéricos’.

Se esta é a racionalização do lema escutista, a questão de que os Escuteiros devem ‘Estar Preparados’ para quê, recebe várias respostas: ajudar idosas, parar cavalos desembestados, cães raivosos, lidar com uma fuga de gás. BP tinha um interesse circunstancial por acidentes, e desbobina nomes de numerosos ‘heróis’, sobre quem evidentemente coleccionava notícias. E ocasionalmente surge em pessoa, para descrever como socorreu um cavalo, consertou um ombro deslocado, ou evitou um suicídio potencial (‘normalmente surge de nada pior que um ataque de indigestão’). Estas pequenas gabarolices traçam o glamour da sua vida através da paisagem de possibilidades, entusiasmando a fantasia imperial que faz da Índia ou da Terra dos Matabeles uma extensão dos subúrbios ingleses.

As partes mais características do livro tem a ver com pistas e a arte de ‘ler os sinais’. As competências dos pisteiros africanos ou índios são comparadas com as de Sherlock Holmes: ‘os pisteiros nativos gabam-se de, pelas suas pistas, conseguir determinar não apenas o sexo e a idade, mas também o carácter’. Algumas das técnicas descritas requerem estar no veld (planícies sul-africanas), mas o charme das pistas é maior no contexto urbano, onde os jovens podem estar vigilantes, memorizando o conteúdo de montras, e seguindo pessoas, tomando notas. Podemos imaginar que tal vigilância não cairia muito bem com os seus alvos, especialmente porque está relacionada com um código rude de ‘sinais’ fisionómicos e não só – ‘se um homem usa o chapéu na parte de trás da cabeça, é mau a pagar contas’ e por aí fora. Os Chefes são encorajados a ‘enviar Escuteiros por meia hora para procurar, por exemplo, alguém de carácter brutal’. BP parece infantil por ter acreditado nesta pseudociência (não há ironia nem condescendência na sua palestra aos rapazes), e embora inofensiva, é característico da esteriotipação social e racial da época.

‘Escutismo para Rapazes’ mudaria muito ao longo das próximas décadas, mas o valor do texto original anotado por Elleke Boehmer mostra-nos muitas das ansiedades, contradições e excitações no Movimento Escutista na sua concepção. É fácil rir, mas igualmente fácil é recapturar o apelo do homem visto pelos seus contemporâneos como um tipo de ‘flautista de Hamelin’ e por um como ‘Rapaz-Poltergeist’, que ‘tocou uma campainha e bateu à porta. E milhares de jovens seguiram-no para o campo.




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