quarta-feira, 21 de março de 2007

O MAR


O MAR
Ondas que descansam no seu gesto nupcial
abrem-se caem
amorosamente sobre os próprios lábios
e a areia
ancas verdes violetas na violência viva
rumor do ilimite na gravidez da água
sussurros gritos minerais inércia magnífica
volúpia de agonia movimentos de amor
morte em cada onda sublevação inaugural
abre-se o corpo que ama na consciência nua
e o corpo é o instante nunca mais e sempre
seios e nuvens que na areia se despenham
ó vento anterior ao vento
ó cabeças espumosasó silêncio sobre o estrépito de amorosas explosões
ó eternidade do mar ensimesmado unânimeem amor e desamor de anónimos amplexos
múltiplo e uno nas suas baixelas cintilantes
ó mar ó presença ondulada do infinito
ó retorno incessante da paixão frigidíssima
ó violenta indolência sempre longínqua sempre ausente
ó catedral profunda que desmoronando-se permanece!



António Ramos Rosa
Facilidade do Ar
Lisboa, Caminho, 1990

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